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Roberto Santos



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segunda-feira, 19 de julho de 2010

Atualidades

Cuba liberta presos políticos

Fonte: UOL
 
Pressionada por autoridades internacionais, a ditadura cubana decidiu libertar 52 presos políticos no período entre julho e outubro de 2010. O primeiro grupo, composto por 11 dissidentes e seus familiares, chegou à Espanha entre os dias 12 e 15 de julho, onde os exilados foram recebidos como imigrantes comuns.

De acordo com dados da Comissão Cubana de Direitos Humanos, órgão independente que não é reconhecido pelo governo comandado pelo ditador Raúl Castro, a ilha possui 167 presos políticos, o menor número desde a Revolução Cubana, em 1959. Portanto, se todos os 52 forem soltos, restarão ainda 115 pessoas encarceradas por crimes de consciência.

Desde 1998, quando 101 presos foram postos em liberdade, por ocasião da visita do papa João Paulo 2º, não se libertava em Cuba um grupo tão numeroso.

O anúncio da libertação foi feito em 7 de julho, pelo Arcebispado de Havana. As negociações com o governo foram intermediadas pelo cardeal Jaime Ortega e pelo ministro espanhol de Assuntos Exteriores, Miguel Ángel Moratinos.

Todos os presos beneficiados com a medida fazem parte do "Grupo dos 75", constituído por 75 dissidentes presos em março de 2003 durante a "Primavera Negra", como ficou conhecido um dos muitos períodos de severa repressão. Eles foram processados por atividades subversivas e condenados a penas que variam de 14 a 27 anos de prisão. Alguns deles já haviam sido libertados por apresentarem graves problemas de saúde.

Greve de fome
 
A pressão internacional começou após a morte de Orlando Zapata Tamayo, ocorrida no dia 23 de fevereiro de 2010, após 85 dias em greve de fome. Zapata tinha 42 anos e era um dos mais importantes dissidentes políticos do "Grupo dos 75". Ele jejuava em protesto contra as condições desumanas dos cárceres de Havana.

No dia seguinte à morte de Zapata, outro detento, Guillermo Fariñas, iniciou greve de fome em homenagem ao companheiro e para pedir a libertação de outros 26 presos políticos que estavam doentes. À época, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em visita oficial a Cuba, foi criticado por não se solidarizar com os ativistas e por compará-los a presos comuns.

Fariñas interrompeu o jejum de alimentos sólidos e líquidos, mantido por 134 dias, depois que o presidente Raúl Castro se comprometeu a soltar os 52 presos. Mesmo assim, de acordo com os médicos que o acompanham, ele corre risco de morrer em decorrência de complicações associadas ao período de abstinência. "O primeiro gole de água que deu depois de tanto tempo provocou em seu ressecado esôfago a sensação de uma língua de fogo que o queimava por dentro", disse Yoani Sánchez em seu blog, o Generatión Y (ver livro indicado abaixo).

Adversário histórico
 
O governo dos Estados Unidos, histórico opositor do regime castrista, aprovou a operação que beneficia cubanos reconhecidos como presos de consciência pela Anistia Internacional. Segundo Philip Crowley, porta-voz do Departamento de Estado americano, foi um "acontecimento positivo" e "um avanço para um respeito maior aos direitos humanos e às liberdades fundamentais em Cuba".

A imprensa internacional, porém, foi cética quando a uma eventual abertura do regime comunista, em vigor desde que Fidel Castro, Che Guevara e o Exército Rebelde tomaram a capital em 1º de janeiro de 1959, depondo o ditador Fulgencio Batista.

Em abril de 1961, os Estados Unidos fizeram uma tentativa frustrada de invasão na Baía dos Porcos, em Cuba, aumentando a tensão com a antiga União Soviética. O episódio foi um dos mais emblemáticos da Guerra Fria (1945-1989). Nas décadas seguintes, Washington impôs um embargo comercial à ilha, cujo regime comunista resistiu até mesmo ao esfacelamento da União Soviética e à abertura econômica na China.

Fidel deixou a presidência em 2006, passando o cargo a seu irmão, Raúl Castro. Os diálogos visando a suspensão do bloqueio foram retomados com a chegada de Barack Obama à Casa Branca. Os americanos exigem, como contrapartida ao fim do embargo, avanços na área de direitos humanos.

Próximos da lista
 
Os 11 presos que chegaram à Espanha fazem parte de uma primeira leva de 20 dissidentes que foram autorizados a deixar o país. Outros seis cubanos consultados pela Igreja Católica decidiram permanecer em Cuba após serem soltos. O governo cubano, contudo, não ofereceu garantias de que eles não sofrerão represálias.

Segundo o Ministério das Relações Exteriores da Espanha, os exilados não receberam status de asilados políticos para que possam trabalhar no país. Outros ativistas, que continuam em Cuba, acreditam que essas medidas sejam os primeiros passos para reformas políticas. 
 

Maior genocídio do pós-guerra completa 15 anos

Fonte: UOL
 
Há 15 anos aconteceu na cidade de Srebrenica, na antiga Iugoslávia, o maior massacre cometido na Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Em apenas uma semana, entre os dias 11 e 15 de julho de 1995, 8.373 bósnios muçulmanos foram mortos por tropas sérvias.

Os crimes foram cometidos durante a Guerra da Bósnia (1992-1995), iniciada após a queda do regime comunista na antiga Iugoslávia. Até hoje os corpos das vítimas, exumados de valas comuns, são identificados por meio de análises de DNA. O general Ratko Mladic, um dos responsáveis pelo massacre, continua foragido.

A região dos Bálcãs, onde ocorreram os conflitos, é marcada por histórias de invasões estrangeiras e disputas de cunho étnico, religioso e nacionalista. Nesse contexto, desavenças políticas, combinadas com a ineficiência da comunidade internacional na mediação da guerra, compuseram o palco para o genocídio.

A Guerra da Bósnia teve ampla cobertura da imprensa internacional e mostrou cenas semelhantes ao holocausto dos judeus na Alemanha nazista: cidades sitiadas, campos de concentração, mortes em massa e posteriores julgamentos dos criminosos no Tribunal Internacional de Haia.


Antecedentes
 
Durante 500 anos, os Bálcãs foram dominados pelo Império Turco-Otomano. Com a assinatura do Tratado de Berlim de 1878, Romênia, Sérvia e Montenegro se tornaram independentes e foi criado o principado da Bulgária.

No começo do século 20, eclodiram lutas por independência. Em 1914, Franz Ferdinand, herdeiro do Império Austro-Húngaro, foi assassinado junto com sua mulher por um extremista sérvio-bósnio em Sarajevo. A Áustria declarou guerra à Sérvia, dando início à Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

Após a guerra, surgiram os Reinos dos Sérvios, Croatas e Eslovenos (incluindo a Bósnia-Herzegóvina), unificados sob o nome de Iugoslávia (que significa "terra dos eslavos do sul") pelo príncipe regente Alexandre Karadjordjevic.

Durante a Segunda Guerra Mundial, os nazistas invadiram a Bósnia, fragmentando novamente o território. Ao final da guerra, com a derrota do Eixo, a Iugoslávia, sob o governo comunista de Josip Broz Tito, se torna uma federação que reúne seis repúblicas - Croácia, Eslovênia, Macedônia, Montenegro, Sérvia e Bósnia-Herzegóvina.

A queda do Muro de Berlim, em 1989, desencadeia o colapso dos Estados comunistas no Leste Europeu, entre eles a Iugoslávia. Do mesmo modo como aconteceu em outros países, a ditadura que mantinha a aliança multinacional não foi sucedida por uma democracia ou pela formação de um Estado civil. Pelo contrário, fez reacender antigas dissensões entre identidades regionais, étnicas e religiosas, em grupos que se mobilizaram politicamente para defender seus territórios.

Apesar de viverem em comunidades diferentes, bósnios muçulmanos, sérvios ortodoxos e croatas católicos compartilhavam não somente origens históricas e geográficas, mas também um modo de vida. No entanto, com a desestabilização política do país, grupos nacionalistas catalisaram as diferenças existentes, utilizando-as para promover os massacres que se seguiram.

Em 1991, a população da Bósnia era composta por 43,7% de muçulmanos, 31,4% de sérvios e 17,3% de croatas. Em Srebrenica, a população era de maioria muçulmana (72,9%), contra uma minoria sérvia (25,2%) e poucos croatas (0,1%). No mesmo ano, Eslovênia e Croácia declararam independência, seguidas pela Bósnia. Os sérvios, porém, não aceitaram o Estado da Bósnia e, liderados por Radovan Karadzic, ocuparam 70% do país e deram início a uma campanha de "limpeza étnica" para formar a República Sérvia.

Genocídio
 
Para fugir da guerra, milhares de bósnios se refugiaram em cidades como Srebrenica, que se tornou um enclave muçulmano. Na tentativa de prevenir crimes de genocídio, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou, em 16 de abril de 1993, a Resolução 819, por meio da qual a cidade de Srebrenica (e seus arredores) foi considerada Área de Segurança, onde não poderiam ocorrer mais ataques.

A segurança da população ficou a cargo de soldados holandeses da Unprofor (Forças de Proteção das Nações Unidas) e os bósnios foram desarmados. Os holandeses, contudo, não puderam conter a ofensiva sérvia.

Assim, quase dois anos depois, no começo de julho de 1995, Srebrenica foi recapturada pelos sérvios depois de renderem a base da ONU. Os bósnios pediram a devolução de suas armas para combater os sérvios e não foram atendidos. O comando holandês, por sua vez, solicitou reforço aéreo à ONU, porém os soldados foram feitos reféns para evitar bombardeios.

No dia 11 de julho, o líder servo-bósnio Ratko Mladic entrou na cidade, consolidando a conquista. A capital Sarajevo resistiu por quatro anos ao cerco, considerado o mais duradouro na história moderna.

Os muçulmanos foram feitos prisioneiros e separados em dois grupos: cerca de 23 mil mulheres e crianças foram deportadas para territórios muçulmanos, enquanto homens e adolescentes foram detidos em armazéns e caminhões. Em seguida, os homens foram enfileirados e executados por soldados sérvios e grupos paramilitares. Os corpos foram enterrados em valas comuns.

Após o massacre, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) bombardeou as posições sérvias. Os Estados Unidos pressionaram os líderes bósnios, sérvios e croatas para um acordo de paz, que saiu em 21 de novembro 1995. O Acordo Dayton (chamado assim por ter sido assinado na Base Aérea de Dayton, no estado americano de Ohio) reconheceu dois Estados autônomos: a República Sérvia da Bósnia e a Federação da Bósnia-Herzegóvina ou Federação Muçulmano-croata. Mas já era tarde demais: o genocídio havia "limpado" territórios antes compartilhados por ambas as culturas.

Julgamentos
 
O massacre de Srebrenica foi oficialmente reconhecido em 2004 pelo Tribunal Internacional de Justiça, em Haia, nos Países Baixos. A Corte também começou a julgar os responsáveis pelo crime.

Radovan Karadzic foi preso em 22 de julho de 2008 e está sendo julgado pelo Tribunal de Haia por crimes de guerra. Outras 21 pessoas foram indiciadas e algumas condenadas a penas superiores a 30 anos ou prisão perpétua.

O presidente da Sérvia, Slobodan Milosevic, morreu na cela, em 11 de março de 2006, enquanto era julgado. O general Ratko Mladic foi indiciado mas até hoje não foi preso.

Em 2003, foi inaugurado o Memorial Cemitério de Potocari, em Srebrenica, onde foram sepultadas mais de 5 mil vítimas do massacre que puderam ser identificadas por peritos da Comissão Internacional de Pessoas Desaparecidas (ICMP). Os corpos foram descobertos em mais de 70 valas. Em março de 2010, o Parlamento Sérvio pediu desculpas às famílias das vítimas. 
 

Eleições renovam esperança de futuro sem guerrilhas

Fonte: UOL

No dia 20 de junho de 2010, os colombianos foram às urnas para escolher o substituto do presidente Álvaro Uribe Vélez. A despeito de quem irá ocupar o cargo, as políticas mais duras contra o narcotráfico saem vencedoras no país.

O candidato governista Juan Manuel Santos, ex-ministro da Defesa, lidera a disputa contra o candidato do Partido Verde, Antanas Mockus, que aparece em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto. No primeiro turno, realizado em 30 de maio, Santos obteve 46,6% dos votos e Mockus, 21,5%.

Esse quadro eleitoral pode ser explicado pela relação do poder político com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), organização terrorista de linha comunista que surgiu em 1964, inspirada na Revolução Cubana. A partir dos anos 1980, o grupo passou a controlar a produção e o comércio de cocaína na Colômbia. Estima-se que, de 1980 até o começo deste século, três milhões de colombianos tenham sido deslocados de suas regiões por conta da guerra contra o tráfico.

Outra fonte de financiamento dos guerrilheiros é o sequestro. O caso mais famoso é o da candidata presidencial e senadora Ingrid Betancourt, resgatada em 2 de julho de 2008, depois de seis anos em cativeiro na selva colombiana, junto com outras 14 pessoas.

Quando Uribe assumiu a presidência, em 2002, adotou uma política "linha dura" contra os militantes das Farc, do Exército de Libertação Nacional (ELN) - o segundo maior grupo guerrilheiro do país - e de grupos paramilitares.

A medida foi empregada depois que seu antecessor no cargo, o presidente Andrés Pastrana Arango, falhou ao tentar fazer um acordo de paz com a guerrilha. Em novembro de 1998, Pastrana concedeu uma área do tamanho da Suíça para as Farc, como um gesto de confiança. Porém, os guerrilheiros continuaram os ataques e aumentaram a produção de cocaína, além de estabelecer um poder paralelo na região.

Mudanças na área de segurança pública foram decisivas para a eleição e, depois, reeleição de Uribe. Ele venceu a oposição com a promessa de desmantelar o poderio militar dos narcoterroristas.

Tensão na fronteira
 
A repressão contou com apoio financeiro e militar dos Estados Unidos, aliança que rendeu a Uribe uma posição de antagonismo político em relação aos governos da Venezuela e do Equador, vizinhos alinhados à esquerda.

Durante a crise das bases militares, o governo venezuelano "congelou" as relações comerciais com a Colômbia, agravando a crise econômica que afetava os colombianos. A razão disso foi a intenção de Uribe de ampliar a presença de tropas americanas em bases nas fronteiras, com o motivo alegado de combater o tráfico.

Acusações do envolvimento do presidente Hugo Chávez com as Farc (baseadas na apreensão de armamento venezuelano com os guerrilheiros) também afetaram as relações diplomáticas entre ambas as nações.

Um ataque ao acampamento das Farc no Equador, em março de 2008, foi outro episódio que acarretou uma crise política entre Colômbia, Equador e Venezuela. A ação, no entanto, resultou na morte de Raúl Reyes, o segundo no comando das Farc. Outras operações também contribuíram para o prestígio do presidente colombiano e de seu candidato, entre elas a libertação de Ingrid Betancourt. Soma-se a isso o saldo positivo da estratégia de repressão. Os índices de homicídios caíram de 66 para cada grupo de 100 mil habitantes, em 2002, para 32 em 2009. Os sequestros passaram de 2.882, no ano em que Uribe foi eleito, para 86 em 2009, segundo dados oficiais.

Ao mesmo tempo, o Produto Interno Bruto (PIB) passou de US$ 232 para US$ 500 bilhões (o terceiro maior da América do Sul) em quase oito anos.

Como a casa em ordem, Uribe terminou o mandato com 70% de aprovação e tentou se candidatar para um terceiro mandato. A Justiça colombiana, no entanto, impediu sua candidatura com base na Constituição de 1991, que limita o mandato a oito anos consecutivos.

A primeira eleição sem a sombra das Farc, depois de 40 anos de conflitos, teve um peso na campanha: todos os candidatos prometeram dar continuidade à política de segurança - e o herdeiro político de Uribe é o primeiro colocado nas pesquisas.

Corrupção
 
Mas o mesmo trunfo do presidente alimentou a oposição, tornando um candidato antes sem expressão uma força nas urnas. Isso ocorreu por dois motivos. Primeiro, um escândalo conhecido como "falsos positivos". Em 2008, militares atraíam desempregados para a selva e os executavam, para depois identificar os corpos como de terroristas mortos. Assim, eles insuflavam artificialmente as estatísticas favoráveis ao governo e recebiam recompensa por supostos guerrilheiros mortos. Um grupo de 62 promotores investiga cerca de 2 mil mortes suspeitas.

O escândalo levou à destituição de 40 militares, incluindo três generais. E, como o conservador Juan Manuel Santos foi ministro da Defesa, ele agora é questionado pelos assassinatos cometidos pelo Exército colombiano.

Durante o segundo mandato de Uribe, um escândalo atingiu o alto escalão do Exército e parcela (um terço) do Congresso colombiano, incluindo aliados do presidente. Os políticos e militares foram acusados de envolvimento com narcotraficantes e paramilitares. Políticos foram presos entre 2006 e 2007 e até mesmo um senador, primo do presidente, foi investigado.

O segundo motivo desfavorável ao candidato da situação é que o combate ao narcoterrorismo, principal sucesso do governo, deixou de ser prioritário para a maioria dos colombianos. Os eleitores estão mais preocupados com questões sociais, como, por exemplo, o desemprego, que atinge 12% da população, uma das maiores taxas da América Latina (no Brasil, o índice é de 7%), segundo dados do Departamento Administrativo Nacional de Estatística (DANE). Outra preocupação é o precário sistema de saúde na Colômbia.

Esses fatores deram força para a campanha de Mockus, que em março tinha apenas 9% das intenções de voto e, depois, chegou a um empate técnico com o rival. Com um discurso contra a corrupção e focado na educação, ele acabou surgindo como o candidato que representa um avanço em direção ao futuro sem as Farc. Principalmente para jovens eleitores, que o apoiam em redes sociais como Twitter e Facebook.

Mockus foi um prefeito popular da capital Bogotá e ficou conhecido por ações extravagantes, como trocar guardas de trânsito por mímicos que advertiam os motoristas com cartões vermelhos e amarelos. O problema é que seu partido tem apenas 5% das cadeiras do Senado e 1% da Câmara dos Deputados. Caso seja eleito, terá de fazer alianças políticas com adversários. 

 



Ataque à "Flotilha da Liberdade" isola Israel

Fonte: UOL

Na história dos conflitos no Oriente Médio, saber qual lado está com a razão, se palestinos ou israelenses, sempre envolveu um complexo dilema moral. Nos últimos anos, porém, as respostas violentas do Estado israelense às ofensivas dos terroristas islâmicos fizeram parcela da opinião pública deixar de ver Israel como um oásis de democracia numa região de teocracias (o que, de fato, Israel é) para transformar o país apenas no algoz de 1,5 milhão de palestinos confinados na Faixa de Gaza.

O desastrado ataque a uma flotilha (frota de navios de pequeno porte) no dia 31 de maio de 2010 só serviu para dar mais força a essa visão. Nove civis foram mortos a bordo do Mavi Marmara, navio de bandeira turca. A chamada "Flotilha da Liberdade", formada por seis embarcações, levava, supostamente, 10 mil toneladas de ajuda humanitária para a população de Gaza.

Os ativistas tentavam furar o bloqueio ao território palestino, imposto por Israel e Egito depois que o grupo terrorista Hamas passou a controlar a Faixa de Gaza, em 2007. Entre os passageiros estavam políticos, jornalistas, religiosos e uma cineasta brasileira.

Os militares interceptaram o comboio em águas internacionais, a 52 quilômetros da costa de Israel, após os navios terem ignorado ordens para atracarem no porto israelense de Ashdode, a fim de terem a carga inspecionada, antes de seguir viagem.

De acordo com a versão oficial, soldados desceram por meio de cordas de helicópteros no convés e foram atacados por ativistas armados de paus, barras de ferro e facas. Um segundo grupo pediu permissão para usar armas de fogo, foi autorizado e atirou contra os ocupantes do navio. Vídeos feitos pelos israelenses mostram soldados sendo agredidos pela tripulação, mas não a reação dos militares.

O bloqueio marítimo, quando justificado, é legitimado por leis de direito internacional. Entretanto, como a flotilha foi interceptada em águas internacionais, a ação pode ter sido ilegal do ponto de vista jurídico.

A flotilha era liderada pelo grupo pró-palestinos Movimento Gaza Livre e pela organização turca Insani Yardım Vakfi, que o governo de Israel acusa de ter relações com os grupos terroristas Hamas e Al Qaeda. A organização turca foi fundada em 1992 para levar ajuda a bósnios durante a Guerra da Bósnia e Herzegovina (1992-1995), está presente em 120 países e esteve em desastres recentes, como o terremoto no Haiti.

O objetivo do grupo era claramente desafiar o bloqueio e chamar a atenção para a causa palestina. A operação, no entanto, custou a Israel muito mais que prejuízo político: fortaleceu o seu inimigo, o Hamas, e isolou o país.

A tensão em Gaza também voltou a aumentar nos últimos dias. No dia 5 de maio, a Marinha israelense impediu outro navio, o irlandês Rachel Corrie, de furar o bloqueio. Não houve vítimas. Dois dias depois, tropas atiraram contra um barco palestino na costa de Gaza e mataram pelo menos quatro pessoas. Os mortos seriam militantes do Fatah, organização política e militar rival do Hamas que controla a Cisjordânia.

Protestos
 
Os protestos contra Israel se estenderam para além do mundo árabe, em manifestações e boicotes na Europa, onde o Parlamento europeu reprovou a ação. Governos de todo o mundo, incluindo o Brasil, condenaram o ataque e pediram providências junto à Organização das Nações Unidas (ONU). O caso teve repercussão negativa inclusive entre judeus não ortodoxos e israelenses.

Um dos maiores danos no campo diplomático foi o desgaste das relações com a Turquia, um importante aliado de Israel no Oriente Médio e mediador de conflitos entre árabes e israelenses. A morte dos turcos (um deles com cidadania americana) levou o governo da Turquia a retirar o embaixador de Tel-Aviv - medidas também adotadas por Egito e Jordânia, estados árabes que apoiam Israel - e ameaçar romper laços diplomáticos. A Turquia tem governo islâmico e vinha desempenhando papel estratégico nos processos de paz na região.

A possível perda de aliados acontece num momento delicado, em que o governo israelense, junto com os Estados Unidos, tenta aprovar novas sanções contra o Irã, devido ao programa nuclear do país. Ao mesmo tempo, Israel resiste à pressão dos vizinhos para que elimine seus arsenais nucleares.

Passados três anos do bloqueio de Gaza, ficou claro que a medida é ineficiente. Os propósitos de Israel eram debilitar o Hamas diante os palestinos, impedir o armamento do grupo terrorista e forçar a libertação de Gilad Shalit, soldado israelense sequestrado há quatro anos. Nada disso foi conseguido. A população de Gaza não se rendeu pela fome, o Hamas continua recebendo armas por túneis na fronteira com o Egito e o soldado continua capturado.

Em dezembro de 2008, Israel bombardeou a Faixa de Gaza em represália a foguetes disparados pelo Hamas contra comunidades judaicas, deixando 1.400 mortos. Na época, parcela da opinião pública considerou o ataque israelense desproporcional.

Obama
 
Dessa vez, porém, o desequilíbrio no panorama do Oriente Médio pode ser maior. Prova disso é a perda de crédito com os Estados Unidos, aliado histórico de Israel e promotor de acordos de paz. Para analistas políticos, o apoio aos israelenses se tornou um fardo para o presidente Barack Obama, que no começo do mandato retomou o diálogo com os países árabes e rompeu com a política unilateral de seu antecessor no cargo, George W. Bush.

Mesmo sendo um dos poucos países a não condenarem a ação, o suporte que a Casa Branca oferece ao Estado israelense - financeiro, militar e político - nunca foi tão questionado entre a população, sobretudo entre os democratas (partido de Obama). Além disso, segundo alguns analistas, o incidente com a flotilha deixa os americanos, que já são alvos de grupos terroristas, em desvantagem nas negociações com o mundo árabe.

O caso lembra um ataque da marinha britânica contra o navio Êxodus, em julho de 1947, que levava sobreviventes do Holocausto. Os judeus tentavam imigrar para a Palestina, que era então controlada pelo Reino Unido, mas não tinham autorização do governo britânico. Três judeus foram mortos e os demais, cerca de 4.500 - entre homens, mulheres e crianças -, deportados para a Alemanha.

Na ocasião, as mortes a bordo do Êxodus favoreceram a campanha de reconhecimento do Estado judeu, criado em 1948. As manifestações que se seguiram ao ataque despertaram a simpatia pelos judeus, que haviam sido vítimas de um dos maiores massacres da história na Alemanha nazista. Quase 63 anos depois, a situação parece ter se invertido. O povo que levou a cultura e a democracia ocidentais para o mundo árabe hoje é visto, por parcela da opinião pública, como Golias enfrentando Davi. 
 
 
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