O Relativismo e a Filosofia
Por: Mauricio Santos Professor de Geografia do Curso Dom Bosco
Um dos problemas mais sérios que encontramos ao estudar certas disciplinas filosóficas, como a Ética e a Política, consiste no relativismo.
O relativismo é uma postura de interpretação da realidade que sugere que tudo deve ser encarado segundo o conceito da relatividade, ou seja, a percepção de determinado fenômeno está condicionada à realidade do interlocutor, e não poderia, portanto, ser tomada como uma conclusão válida no plano geral, e sim apenas no plano particular. Em outras palavras, a verdade no relativismo é aquilo que eu percebo como verdade, independentemente da opinião alheia ou das conclusões obtidas pelos outros. O que é verdade para mim pode não ser verdade para o outro, mas isso não importa. E, assim como eu não pretendo impor meu conceito de verdade a ninguém, também não aceito que ninguém me apresente ou imponha outra interpretação da verdade. Uma espécie de “cada um na sua” filosófico.
É claro que a Filosofia não trabalha com imposições. Uma máxima muito válida na Filosofia é a de que o filósofo só aceita “a força do argumento, e não o argumento da força”. Mas é necessário perceber que o relativismo é perigoso em certas áreas do relacionamento humano, e que as relações humanas precisam ser construídas sobre certos valores universais, como confiança e comprometimento mútuo. Isso não só é saudável como também não deve ser relativizado! Afinal, seria muito decepcionante confiar um segredo a uma pessoa que considere “relativa” sua obrigação de guardá-lo, ou conviver com um colega de trabalho que considere “relativa” sua obrigação de respeitar o trabalho alheio. O resultado disso seria correr o risco de ver seus segredos expostos ou de conviver com traições e “puxadas de tapete”.
Neste caso, o relativismo deteriora as relações humanas e conduz a um ambiente de desconfiança mútua. O mundo em que vivemos hoje e as relações que construímos ao
nosso redor trazem muito deste “pessimismo” em relação ao próximo, o que leva muitos de nós a declarar com certa dose de orgulho triste: “eu não confio em ninguém”.
Além disso, o relativismo aplicado à Política tende a levar as pessoas à omissão, por desistirem de insistir em ter seu destino em suas próprias mãos. As decepções constantes, os maus exemplos e os sedutores discursos dos políticos nos levam a crer que a verdade não está disponível, e que nunca saberemos o que realmente acontece nos bastidores do mundo político. Desenganados, perdemos mais uma vez a já combalida confiança que tínhamos nos outros e em nossa própria capacidade de compreender a realidade. Costumamos dizer que o discurso dos políticos é “perigoso”, pois “eles conseguem convencer qualquer um de qualquer coisa”. Será? Eles nos convencem ou nós nos deixamos convencer porque não temos convicção da verdade?
Este é o preço do relativismo. Quando abrimos mão de nossos ideais, de nossos valores e crenças, estamos abrindo a porta para que o inimigo entre. O próximo passo é desconfiar de nossas próprias verdades até, por fim, desistir delas. Neste momento, tornamo-nos amargos e desiludidos.
É claro que o radicalismo de opiniões também é anti-filosófico. Devemos ouvir cuidadosamente os argumentos que nos apresentam os outros, mas precisamos de convicção a respeito do que é certo e do que é errado para poder formular uma opinião que seja, ao mesmo tempo, equilibrada e coesa. A reflexão é, portanto, essencial para superar o relativismo. O relativista não reflete, porque o argumento alheio não lhe interessa.
Concluindo, o relativismo é um mal a ser superado, e somente a consciência do homem pode fazê-lo. A convicção é um processo íntimo, que diz respeito a cada um em particular; mas nossas atitudes, no momento em que tomam forma, devem ser resultado de uma longa e cuidadosa reflexão a respeito dos objetivos que pretendemos atingir e dos meios que estamos dispostos a utilizar para estes fins. Os fins só justificam os meios num mundo sem ética. Só aí o relativismo pode se desenvolver. Não permita isso! Defenda a ética!
O relativismo é uma postura de interpretação da realidade que sugere que tudo deve ser encarado segundo o conceito da relatividade, ou seja, a percepção de determinado fenômeno está condicionada à realidade do interlocutor, e não poderia, portanto, ser tomada como uma conclusão válida no plano geral, e sim apenas no plano particular. Em outras palavras, a verdade no relativismo é aquilo que eu percebo como verdade, independentemente da opinião alheia ou das conclusões obtidas pelos outros. O que é verdade para mim pode não ser verdade para o outro, mas isso não importa. E, assim como eu não pretendo impor meu conceito de verdade a ninguém, também não aceito que ninguém me apresente ou imponha outra interpretação da verdade. Uma espécie de “cada um na sua” filosófico.
É claro que a Filosofia não trabalha com imposições. Uma máxima muito válida na Filosofia é a de que o filósofo só aceita “a força do argumento, e não o argumento da força”. Mas é necessário perceber que o relativismo é perigoso em certas áreas do relacionamento humano, e que as relações humanas precisam ser construídas sobre certos valores universais, como confiança e comprometimento mútuo. Isso não só é saudável como também não deve ser relativizado! Afinal, seria muito decepcionante confiar um segredo a uma pessoa que considere “relativa” sua obrigação de guardá-lo, ou conviver com um colega de trabalho que considere “relativa” sua obrigação de respeitar o trabalho alheio. O resultado disso seria correr o risco de ver seus segredos expostos ou de conviver com traições e “puxadas de tapete”.
Neste caso, o relativismo deteriora as relações humanas e conduz a um ambiente de desconfiança mútua. O mundo em que vivemos hoje e as relações que construímos ao
nosso redor trazem muito deste “pessimismo” em relação ao próximo, o que leva muitos de nós a declarar com certa dose de orgulho triste: “eu não confio em ninguém”.
Além disso, o relativismo aplicado à Política tende a levar as pessoas à omissão, por desistirem de insistir em ter seu destino em suas próprias mãos. As decepções constantes, os maus exemplos e os sedutores discursos dos políticos nos levam a crer que a verdade não está disponível, e que nunca saberemos o que realmente acontece nos bastidores do mundo político. Desenganados, perdemos mais uma vez a já combalida confiança que tínhamos nos outros e em nossa própria capacidade de compreender a realidade. Costumamos dizer que o discurso dos políticos é “perigoso”, pois “eles conseguem convencer qualquer um de qualquer coisa”. Será? Eles nos convencem ou nós nos deixamos convencer porque não temos convicção da verdade?
Este é o preço do relativismo. Quando abrimos mão de nossos ideais, de nossos valores e crenças, estamos abrindo a porta para que o inimigo entre. O próximo passo é desconfiar de nossas próprias verdades até, por fim, desistir delas. Neste momento, tornamo-nos amargos e desiludidos.
É claro que o radicalismo de opiniões também é anti-filosófico. Devemos ouvir cuidadosamente os argumentos que nos apresentam os outros, mas precisamos de convicção a respeito do que é certo e do que é errado para poder formular uma opinião que seja, ao mesmo tempo, equilibrada e coesa. A reflexão é, portanto, essencial para superar o relativismo. O relativista não reflete, porque o argumento alheio não lhe interessa.
Concluindo, o relativismo é um mal a ser superado, e somente a consciência do homem pode fazê-lo. A convicção é um processo íntimo, que diz respeito a cada um em particular; mas nossas atitudes, no momento em que tomam forma, devem ser resultado de uma longa e cuidadosa reflexão a respeito dos objetivos que pretendemos atingir e dos meios que estamos dispostos a utilizar para estes fins. Os fins só justificam os meios num mundo sem ética. Só aí o relativismo pode se desenvolver. Não permita isso! Defenda a ética!
Acelerador de partículas faz primeiras colisões
Por: Zero Hora e do jornal O Estado de S. Paulo
O superacelerador de partículas (LHC, em inglês) construído em Genebra, na Suíça, promove amanhã os primeiros choques de prótons. Dois feixes vão circular em direções opostas num túnel de 27 quilômetros na fronteira entre a Suíça e França.
Os especialistas esperam que a experiência revele como o universo foi criado e confirme teorias que até hoje estão sendo questionadas. A ideia é
tentar reproduzir os momentos que se seguiram ao Big Bang, há 13 bilhões de anos, e detectar pela primeira vez a matéria escura.
O projeto de R$ 18 bilhões e que já levou 20 anos de trabalho foi alvo de uma polêmica ao ficar fechado por mais de um ano para reparos. O teste de amanhã está levando à Genebra jornalistas e cientistas de todo o mundo. O Centro Europeu para a Pesquisa Nuclear (Cern) teve de organizar um esquema especial para atender ao fluxo de jornalistas.
Os especialistas esperam que a experiência revele como o universo foi criado e confirme teorias que até hoje estão sendo questionadas. A ideia é
tentar reproduzir os momentos que se seguiram ao Big Bang, há 13 bilhões de anos, e detectar pela primeira vez a matéria escura.
O projeto de R$ 18 bilhões e que já levou 20 anos de trabalho foi alvo de uma polêmica ao ficar fechado por mais de um ano para reparos. O teste de amanhã está levando à Genebra jornalistas e cientistas de todo o mundo. O Centro Europeu para a Pesquisa Nuclear (Cern) teve de organizar um esquema especial para atender ao fluxo de jornalistas.
Mecanismos pelos quais o cérebro percebe a passagem do tempo evocam princípios da física
Ao longo da história, questões acerca da origem e do significado da vida, da criação do Universo e livre-arbítrio têm roubado o sono de filósofos e cientistas. A indagação sobre a natureza do tempo, entretanto, parece ser o questionamento mais cotidiano e familiar.
Considerado em suas diferentes acepções, o tempo está em toda parte: no calendário da parede, nos diversos relógios que pautam nossa vida, no nascer e no pôr-do-sol, nas fases da lua, nas estações do ano, bem como em nós mesmos - quando sentimos fome ou sono durante o dia ou testemunhamos no espelho as marcas da passagem dos anos.
Antiga preocupação filosófica, mais recentemente o tempo passou a ocupar também a mente dos cientistas, interessados em medi-lo e compreendê-lo. Para enxergarmos com clareza suas múltiplas faces, é necessário encarar o tempo igualmente sob múltiplos ângulos. O desafio depende de um esforço conjunto do qual devem participar filósofos, físicos e neurocientistas.
Segundo resultados teóricos e experimentais da física moderna, a velocidade da luz (e de qualquer onda eletromagnética) no vácuo é uma constante, sendo também a velocidade limite que não pode ser superada pela propagação de qualquer outro sinal.
Quando admiramos o céu em noite estrelada, vemos algo que jamais existiu exatamente daquela forma, porque cada estrela encontra-se mais perto ou mais longe da Terra, portanto a luz de cada uma delas percorre uma determinada distância em um tempo distinto. A luz das mais próximas viaja alguns poucos anos, enquanto a das mais distantes leva bilhões de anos para atingir nossas retinas. Muitas estrelas que vemos hoje já não existem - explodiram e desapareceram há milhares ou milhões de anos.
Fábrica de Ilusões
Em uma escala de tempo muito menor, impulsos nervosos produzidos pelos estímulos que nos rodeiam - e que vão se transformar em sons, imagens, cheiros - também apresentam velocidade finita de propagação, bem como diferentes tempos de processamento neural. Olhar, ouvir, cheirar e sentir o mundo a nossa volta assemelha-se, portanto, a olhar um céu estrelado: as sensações chegam ao cérebro em momentos distintos, mesmo que tenham partido de um mesmo objeto no mesmo instante. Com alguma prática, o cérebro torna-se hábil em juntar estímulos assíncronos para fazê-los parecer simultâneos. Assim percebemos - ilusoriamente - como síncronos a imagem de lábios que se movem e o som da voz de quem fala.
A ilusão de uma consciência instantânea e simultânea aos estímulos sensoriais que a evocam foi denominada "presente especioso" pelo psicólogo e filósofo americano William James (1842-1910). James considerava o presente ilusório não apenas pelo conteúdo temporal da consciência surgir com atraso em relação ao mundo, ou por dar coerência temporal a uma atividade neural inevitavelmente assíncrona. Ele percebia o presente como uma sensação estendida no tempo, possivelmente exigindo, de um lado, a reevocação de um passado recente guardado na memória de curtíssimo prazo e, de outro, a expectativa de um futuro iminente.
A finitude, tanto da velocidade da luz quanto da propagação da informação no sistema nervoso, conduz a um segundo paralelo entre a física e a neurociência do tempo: a relatividade da simultaneidade.
Segundo a teoria da relatividade proposta por Albert Einstein, se dois eventos A e B (por exemplo, o piscar de duas lâmpadas) são vistos por alguém como simultâneos, um segundo observador, em movimento retilíneo uniforme em relação ao primeiro, poderá vê-los como não simultâneos: a lâmpada A piscando antes da B se o observador estiver se deslocando em um sentido, ou o contrário quando ele se mover na direção oposta. Como ambos os observadores são totalmente equivalentes, já que não existe um "éter" preenchendo o espaço ou algo especial que torne absoluto algum local dele, as duas observações, embora contraditórias, são legítimas e também equivalentes.
Da mesma forma, resultados obtidos em nosso laboratório na Universidade de São Paulo (USP) e por outros pesquisadores demonstram consistentemente que dois estímulos simultâneos - visuais, auditivos ou tácteis - poderão ser ou não percebidos simultaneamente dependendo de vários fatores psicofísicos, entre eles o foco de atenção. Em um típico experimento de julgamento de ordem temporal (JOT), um voluntário senta-se à frente do monitor do computador e fixa o olhar em um ponto demarcado da tela, onde será apresentada uma rápida sucessão entre dois estímulos visuais separados por certa distância. Sua tarefa é relatar qual estímulo foi percebido primeiro. Se prestar atenção ao local onde um dos estímulos será apresentado (mesmo que não dirija o olhar àquele local), as chances de que ele o perceba antes do outro estímulo são muito maiores, mesmo que ambos sejam simultâneos. Nesse caso, a alocação da atenção a um ou outro estímulo teria papel equivalente à mudança do referencial inercial do qual se faz a observação da ordem dos eventos - tal como enunciado pela teoria da relatividade.
Não apenas a ordem e a simultaneidade de dois eventos podem ser relativas para a física e as neurociências, distâncias espaciais e intervalos temporais também são. Segundo a teoria da relatividade, o comprimento de um objeto ou a duração de um evento serão relativos ao referencial inercial em que se encontra o observador. Se ele estiver em movimento em relação ao objeto, seu comprimento será menor se comparado ao mesmo objeto medido por um observador estacionário. O fator de contração é dado pelas equações de transformação de Lorentz . Contração semelhante ocorre quando um observador, cujo referencial inercial está em movimento em relação a um evento, mede a duração deste e compara o resultado com o do observador estacionário.
Experimentos psicofísicos semelhantes ao JOT mostram que a percepção de duração é relativa também ao estado do observador. Fisiologicamente, a incerteza de um julgamento temporal aumenta com a duração do intervalo julgado. Esse resultado, denominado propriedade escalar da percepção de tempo, parece decorrer de um fenômeno psicofísico mais geral, conhecido como lei de Weber (proposto por Ernst Weber, em 1831), segundo o qual para percebermos que um dado estímulo sensorial sofreu variação, o acréscimo (ou decréscimo) mínimo necessário deve ser proporcional à magnitude inicial do estímulo original. Isso talvez ajude a entender por que o tempo parece passar cada vez mais depressa à medida que envelhecemos.
Todos nós também já experimentamos a sensação de o tempo "voar", quando estamos em lugares ou situações agradáveis, ou de se "arrastar", nos momentos em que esperamos com ansiedade algo acontecer. Novamente, parece ser a atenção que prestamos à sucessão de eventos em curso o fator determinante de nossa experiência temporal. Vários estudos demonstram que a duração de um estímulo sensorial, tal como percebida por um observador, é fortemente influenciada pela atenção que ele dispensa ao estímulo.
A percepção temporal pode ser alterada também pela ação de drogas ou doenças que provavelmente modificam circuitos neurais cuja atividade determina nossa capacidade de julgar a duração de um intervalo temporal ou a ordem de dois eventos. A doença de Parkinson, por exemplo, caracteriza-se pela disfunção em certas via neurais que utilizam dopamina como neurotransmissor. Os pacientes manifestam comprometimento da organização temporal de ações motoras e nítido prejuízo no desempenho de tarefas que requerem exclusivamente a percepção de intervalos de tempo. Resultados de nosso laboratório mostram que pacientes com Parkinson exibem significativa redução da precisão no julgamento da ordem temporal de dois eventos visuais, quando comparados a voluntários saudáveis da mesma idade.
Podemos novamente estabelecer um paralelo entre a mudança de referencial em que medidas de intervalos temporais são realizadas e a modificação na atividade de circuitos neurais responsáveis pela codificação do tempo, seja pela modulação fisiológica exercida pela atenção, seja pela interferência de fármacos ou por doenças. Em ambos os casos, o intervalo temporal medido fisicamente ou percebido fisiologicamente é relativo ao referencial em que se situa o observador.
Setas do Tempo
Podemos dizer que, em essência, somos as nossas memórias. Aquilo que declaramos e contamos compõe a chamada memória declarativa, da qual fazem parte fatos sobre o mundo e sobre nossas próprias experiências.
Estima-se que mais da metade das conversações adultas se refiram a eventos passados ou futuros, e essa habilidade de "viajar no tempo", acreditam muitos neurocientistas, é exclusiva do ser humano. É possível que seu aparecimento tenha sido um passo decisivo no processo evolutivo da espécie. Viajando no tempo, entre memórias e projetos, podemos reavaliar experiências passadas, com suas possíveis causas, e ponderar cenários futuros, com suas eventuais conseqüências, o que aumenta a probabilidade de optarmos por decisões e ações mais adaptativas.
Entretanto, existe nítida assimetria entre a memória de um evento passado, cristalizado e único em sua realidade, e a expectativa de um evento futuro, aberto e múltiplo em suas potencialidades.
Em meados do século XX, o matemático austríaco Kurt Gödel obteve uma solução para as equações do campo gravitacional propostas por Einstein na teoria da relatividade geral. Segundo ele, seria possível, sob certas condições, a existência de órbitas fechadas ao longo do espaço-tempo quadridimensional, o que significa que um objeto, em uma viagem ao longo dessa trajetória, voltaria no tempo. Tais resultados trazem à tona o relevante papel desempenhado pelo conceito de causalidade na ciência.
Esse aspecto se torna mais claro com o exemplo do astronauta que, viajando ao longo de uma alça fechada do espaço-tempo, retorna ao passado e, por descuido, provoca um acidente que mata a própria mãe, ainda jovem, antes mesmo de ter sido gerado por ela. Embora muito próximos da ficção científica, tais argumentos baseiam-se em resultados físicos rigorosamente formulados.
Para David Hume, filósofo escocês do século XVIII, a crença na relação causal entre dois eventos decorre apenas do fato de nos habituarmos a vê-los numa dada ordem temporal. Daí viria a sólida, porém ilusória, idéia de que toda conseqüência é precedida de uma causa. No século XX, Hans Reichenbach teceu o conceito de "cadeias causais" para ordenar eventos no tempo. Seguidos em determinado sentido, os eventos ordenam-se de acordo com um princípio de "causalidade"; no sentido oposto, ordenam-se segundo uma "finalidade". A definição de um sentido do tempo (a chamada seta do tempo) ou a escolha da causalidade em detrimento da finalidade é, na visão do filósofo da ciência alemão, uma conseqüência da segunda lei da termodinâmica, segundo a qual a entropia (ou, intuitivamente, o grau de desordem) de um sistema isolado tende a aumentar. O aumento da entropia definiria, portanto, o sentido da seta do tempo.
Quando assistimos a um filme em que cacos de vidro espalhados no chão se aproximam uns dos outros e finalmente se juntam, sabemos imediatamente que ele está sendo projetado de trás para frente. Do ponto de vista termodinâmico, a desordem (entropia) do copo aumenta quando ele se quebra, espalhando cacos pelo chão. O aumento da entropia seria uma indicação segura da direção do tempo, que jamais retrocederia pelas mesmas razões pelas quais a entropia não poderia diminuir. Há, no entanto, problemas sutis nesse raciocínio, detectados pela primeira vez no final do século XIX pelo físico austríaco Ludwig Boltzmann.
Em minuciosa análise termodinâmica, Boltzmann notou que, partindo de um instante no tempo, a entropia de um sistema deve aumentar tanto em direção ao futuro quanto em direção ao passado. Ou seja, a seta do tempo teria duas pontas. Para observarmos hoje o aumento da entropia, como prescrito pela segunda lei da termodinâmica, ela precisaria necessariamente ser menor no passado remoto. Logo, o problema da seta do tempo, na física, parece implicar considerações cosmológicas, remontando a condições termodinâmicas que caracterizaram a origem do Universo. Sob o prisma das neurociências, a assimetria entre eventos já registrados e aqueles ainda por serem gravados em nossa memória parece oferecer, ainda que sem rigor matemático, uma distinção satisfatória entre passado e futuro (e qual deles deve acontecer primeiro).
O ato de observar e medir um evento passou a fazer parte da física com o advento da mecânica quântica, segundo a qual observador e observado acoplam-se, indissociavelmente, na mensuração de um dado estado físico (descrito por uma função de onda). Muitos filósofos e físicos acreditam que o tempo perceptivo registrado por um observador possa, portanto, ter papel relevante na determinação da seta do tempo.
O físico britânico Paul Davies acredita que o fluxo do tempo é resultado de um processo subjetivo, a ser explicado pelas neurociências e não pela física. Pelo menos duas interessantes conexões existem entre os objetos de estudo das duas disciplinas. A primeira é aquela, já mencionada, que vincula um observador consciente ao fenômeno por ele observado. É o ato da observação que transforma as probabilidades descritas pela função de onda em um valor ou estado físico definido e único. Nas palavras de John Wheeler, importante físico americano do século XX: "nenhum fenômeno elementar é um fenômeno até que ele seja um fenômeno observado ou registrado." A segunda conexão entre física e neurociências é a semelhança matemática e conceitual existente entre a definição de entropia, proposta por Boltzmann, e a definição de informação, que o matemático americano Claude Shannon apresentou em meados do século XX. A entropia seria uma medida de nossa ignorância sobre um sistema, sendo a aquisição de informação sobre ele o equivalente a uma redução de sua entropia (negentropia). O atrativo dessa analogia é que, enquanto entropia é um clássico ingrediente de formulações termodinâmicas, informação é a matéria prima, por excelência, da atividade neural.
Percepção do Tempo
Pouco depois do surgimento da teoria da relatividade, o professor de matemática de Einstein, Hermann Minkowski, propôs uma formalização em que tempo e espaço passam a fazer parte de uma única estrutura geométrica. Formada pela fusão de três dimensões espaciais e uma temporal, essa estrutura é conhecida desde então como espaço-tempo quadridimensional. Embora mantenha suas peculiaridades, espaço e tempo devem, de acordo com a relatividade, ser considerados em conjunto, oferecendo um arcabouço único para a descrição dos eventos físicos.
Nossas percepções de espaço e tempo também não existem de forma independente, e tarefas perceptivas que exigem julgamento espaço-temporal possuem longa história nas neurociências. Em 1796, o astrônomo real do observatório de Greenwich, Reino Unido, despediu seu assistente em razão das constantes discrepâncias, da ordem de vários décimos de segundo, na observação do trânsito estelar. As observações exigiam o julgamento, em relação a um ponto de referência no observatório, da localização de uma estrela em um exato instante de tempo marcado pelo tique-taque audível de um relógio. A precisão dessas observações era crítica para as medidas astronômicas, o que levou o problema para os laboratórios sob a forma de procedimentos que ficaram conhecidos como experimentos de complicação, idealizados pelo pai da psicologia fisiológica, Wilhelm Wundt. Tais experimentos implicavam a comparação simultânea de estímulos em movimento contínuo e estímulos de apresentação súbita.
Reportar a localização de um dado objeto em movimento no exato instante em que um outro evento ocorre é, genuinamente, uma tarefa espaço-temporal. Não só um julgamento espacial deve ser realizado simultaneamente a um julgamento temporal, as percepções de espaço e tempo podem - e talvez devam - compartilhar circuitos neurais que são superpostos quanto a esse processamento.
Mais recentemente, o interesse em experimentos de complicação foi reavivado pela descoberta de uma ilusão visual simples, porém ainda muito controversa: o efeito flash-lag. Um objeto em movimento é percebido como se estivesse à frente de sua real posição no instante em que um evento, que ocorre subitamente, é utilizado como referencial no tempo.
Muito se tem debatido sobre as origens neurofisiológicas desse fenômeno, mas um aspecto que demonstramos com alguma segurança é sua modulação por fatores atencionais: a magnitude do efeito flash-lag aumenta ou diminui à medida que prestamos menos ou mais atenção aos estímulos em questão (o que pode parcialmente explicar a tendência dos árbitros auxiliares, em partidas de futebol, de indicar impedimentos inexistentes). A modulação atencional de uma ilusão que implica a percepção de tempo e espaço sugere, mais uma vez, que a atenção entra em cena como uma espécie de "mudança de referencial", no qual eventos espaço-temporais tomam parte.
Uma das razões pelas quais as percepções de tempo e espaço talvez se fundem em uma mesma estrutura espaço-temporal é que a determinação subjetiva de tempo possa depender mais de "como" é representada pelo sistema nervoso, e menos de "quando". Steven Hillyard, da Universidade da Califórnia, mostrou recentemente que a modulação atencional da percepção de ordem temporal, produzida por dois estímulos sonoros, era codificada por variações nas amplitudes de potenciais elétricos observados nos respectivos circuitos neurais envolvidos, e não por suas latências ou qualquer outra variável temporal. Portanto, espaço e tempo não são traduzidos necessária e respectivamente por códigos espaciais e temporais, mas ambos poderiam ser representados pelo sistema nervoso como códigos neurais que nada têm a ver diretamente com as características espaciais e temporais daquilo que representam. Esses mecanismos sugerem um análogo neural, ainda que metafórico, ao espaço-tempo físico.
Blocos de Tempo
Heráclito de Éfeso, que viveu na Grécia entre os séculos VI e V a.C., via o Universo como um processo contínuo de mudança: "todas as coisas estão em perpétuo estado de fluxo". Um de seus mais famosos aforismos diz que "no mesmo rio entramos e não entramos, somos e não somos". Ou seja, não podemos nos banhar duas vezes no mesmo rio, pois na segunda vez as águas do rio - em perpétuo fluxo - já não serão as mesmas, assim como nós mesmos já teremos mudado.
No entanto, o escrutínio filosófico e as formalizações físicas não conseguem determinar a existência de um fluxo temporal único, contínuo e objetivo. Não há resposta para certas perguntas, por exemplo, "qual a velocidade do tempo?" (exceto, talvez, para uma personagem do escritor português José Saramago, que afirma que o tempo passa a uma velocidade de 60 minutos por hora). Esse incômodo beco sem saída tem levado à concepção do tempo como um bloco. O espaço-tempo de Minkowski conteria toda a eternidade: passado, presente e futuro mapeados nesse bloco único. Embora a sensação de um "agora" desempenhe papel central em nossa vida, a intuição é subvertida por concepções relativísticas, segundo as quais todos os instantes desse "tempo blocado" são igualmente reais. O fluir do tempo, do passado ao futuro, passando pelo "agora" que nitidamente sentimos, surgiria em nosso cérebro como o resultado de fazermos, ativa e conscientemente, uma observação desse bloco espaço-temporal. Essa observação então corresponderia, para cada observador, a uma fatia do bloco, que contém a cota de espaço que chamamos "aqui" e o instante de tempo que chamamos "agora".
Essa visão física se aproxima da concebida por Platão no século IV a.C. Em um de seus famosos diálogos, Timeu, o tempo seria uma "imagem móvel da eternidade". Já a concepção neurocientífica nos leva ao pensamento de Santo Agostinho, que viveu oito séculos mais tarde, para quem passado e futuro não existem. Quando olhamos para o passado, ele já se foi: é uma memória. Quando procuramos o futuro, ele ainda não chegou: é uma expectativa. Portanto, somente o presente existe, conclui o filósofo. O tempo seria uma criação da mente humana - quando medimos uma extensão temporal, estamos na verdade medindo memórias do passado e expectativas do futuro. Santo Agostinho é o primeiro pensador ocidental a destacar claramente o caráter subjetivo do tempo.
É possível que as múltiplas faces do tempo tenham individualidade própria. E que os múltiplos "tempos" tenham, portanto, de ser tratados de forma particularizada ou independente, pelo respectivo nível descritivo que o aborda. Seria preciso considerar por exemplo as diferentes naturezas da "fibra" do tempo, com a qual seriam tecidos, em diferentes planos, os múltiplos e distintos tempos físico, biológico, neural e social. Enquanto isso, continuaremos a enfrentar o desafio de compreender como o tempo flui através da mente, já que, fora dela, o rio de Heráclito existe, mas está congelado
Tempo nas neurociências
O surgimento de mecanismos neurais que processam o tempo foi essencial para nossa evolução. O controle neural do tempo é crucial para atividades cuja escala varia entre milésimos de segundo a décadas. São elas: regulação de funções vegetativas e de comportamentos que oscilam periodicamente (ritmos biológicos); funções motoras nas quais a seqüência e coordenação de movimentos exigem grande precisão temporal, da ordem de milissegundos; percepção de sucessão, ordem, intervalos e durações temporais, que se estendem de frações de segundo às memórias que construímos ao longo da vida.
Em seres humanos e outros animais, o processamento neural do tempo tem sido abordado por meio de técnicas como ensaios comportamentais, análises moleculares, métodos eletrofisiológicos, farmacológicos, clínicos e de neuroimagem. Os resultados mais recentes indicam que diferentes módulos neurais participam dos diversos tipos de processamento temporal, dependendo da escala de tempo e da natureza da tarefa.
Ritmos circadianos, por exemplo, operam em períodos de 24 horas, determinando comportamentos tais como o ciclo vigília-sono e a alimentação. Seu controle depende de circuitos neurais localizados no núcleo supraquiasmático do hipotálamo, que oscilam sob a influência de ritmos externos, como o ciclo claro-escuro produzido pela rotação diária da Terra. Ritmos biológicos, produzidos endogenamente por osciladores neurais, são extremamente úteis no ajuste homeostático e na sincronização de comportamentos aos ritmos exógenos gerados pela natureza periódica de rotação e translação do planeta.
Estudos recentes mostram a existência de dois outros sistemas neurais, relativamente independentes, do processamento temporal. O primeiro é um sistema automático do qual participa o cerebelo, opera na escala de milissegundos e se relaciona à marcação temporal de eventos discretos (descontínuos). O segundo sistema relaciona-se a eventos contínuos, é controlado por mecanismos cognitivos e atencionais e envolve os núcleos da base e várias áreas corticais no processamento de eventos temporais cuja escala de tempo iguala ou supera um segundo. Observações clínicas sugerem que lesões cerebelares comprometem aspectos temporais determinantes da transição de estados motores, enquanto lesões dos núcleos da base comprometeriam, temporalmente, a transição de estados atencionais. Esses núcleos subcorticais parecem estar envolvidos, junto com circuitos dos córtices pré-frontal e parietal posterior, na representação cognitiva de números, seqüências e magnitudes. Dessa forma, áreas neurais comuns participariam de tarefas cuja essência são contagem e o ordenamento, seja temporal, seja numérico. Um possível papel dos núcleos da base seria o de monitorar a atividade que circula entre eles, o tálamo e o córtex cerebral, agindo como detectores de coincidência que controlam o fluxo de informação.
O Tempo na Física
Um dos pilares da física moderna é a obra monumental de Isaac Newton (1642-1727). Em um mesmo modelo teórico, Newton concebeu um sistema mecânico que unificou a física dos corpos em movimento - de maçãs caindo de árvores a órbitas de luas e planetas. A metafísica de Newton adotava a visão de tempo e espaço absolutos. Em relação ao espaço, ele defendia uma forma de "substantivalismo", de um espaço como "substância" - visão oposta ao "relacionismo" adotado por Leibniz, seu contemporâneo. Newton percebeu que, em relação ao espaço absoluto, um movimento uniforme, com velocidade constante, exigiria o fluir de um tempo absoluto. Como afirmou em sua obra Principia mathematica, "O tempo absoluto, verdadeiro e matemático, por si mesmo, e por sua própria natureza, flui uniformemente sem relação com nenhuma coisa externa. [...] Todos os movimentos podem ser acelerados ou retardados, mas o fluxo do tempo absoluto não é sujeito a nenhuma mudança".
Assim, um único "agora" preencheria todo o espaço, desde o local em que você, leitor, se encontra lendo essas páginas, até uma estrela distante, na borda da galáxia ou nos confins do Universo. Embora tenha despertado o questionamento crítico de alguns físicos e filósofos, essa cosmovisão persistiu por mais de 200 anos, e ainda hoje se encontra entranhada nas concepções de muitos de nós. Em meados do século XIX, James Clerk Maxwell colocou, ao lado da mecânica de Newton, uma síntese do eletromagnetismo igualmente unificadora, que expressava, por meio de quatro elegantes equações, todo um conjunto de resultados empíricos relativos a fenômenos elétricos e magnéticos. Com base nas equações de Maxwell, e em experimentos muito precisos realizados no final do século XIX, mostrou-se que a velocidade de uma onda eletromagnética (e, portanto, da luz) no vácuo, era a mesma em qualquer direção: pouco mais de 1 bilhão de km/h. Os resultados conduziram a uma inconveniente contradição entre essas duas teorias físicas - as mais bem-sucedidas até então.
O início do século XX foi marcado por abalos que dilaceraram os alicerces da física clássica. Personagem principal desse fecundo capítulo da história da ciência, Albert Einstein (1879-1955) protagonizou a demolição da física newtoniana. Com suas teorias da relatividade (a especial, de 1905, e a geral, de 1916), propôs um modelo de Universo no qual espaço e tempo não são independentes nem absolutos, mas se fundem em um único espaço-tempo quadridimensional, em que uma onda eletromagnética propaga-se com velocidade constante em relação a qualquer referencial inercial em que seja medida. Como conseqüência da constância da velocidade da luz, conceitos temporais como simultaneidade e duração ou espaciais, como distância e comprimento, tornam-se relativos a um dado referencial inercial. Com as teorias de Einstein, a unidade e a coerência da física foram preservadas e, de quebra, uma visão radicalmente nova do universo tomou o lugar das concepções usuais de espaço e tempo.
Para conhecer mais, leia:
O Tecido do Cosmo. Brian Greene, Companhia das Letras, 2005.
Time. Philip Turetzky, Routledge, 1998.
What makes us tick? Functional and neural mechanisms of interval timing. C. V. Buhusi e W. H. Meck, em Nature Reviews Neuroscience, vol. 6, págs. 755-765, 2005.
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